Em primeiro lugar queria dizer que acho uma grande pena – e uma grande perda – não termos ainda nenhuma versão deste excelente livro em português. “Out of Poverty”, ou algo como “Saindo da Pobreza”, do americano Pail Polak é um dos melhores e mais motivadores livros quando o assunto é a constante tentativa de encontrar soluções para “erradicar a pobreza”. O mais interessante na postura de Polak, que tem uma excelente palestra no TEDx, é a proposição não de soluções, mas de caminhos e raciocínios lógicos para a solução destas incoerências sociais pelas quais a maioria da população mundial ainda sofre diariamente.
Em algum outro momento ainda farei uma resenha completa de toda a obra “Out of Poverty”, mas neste momento acho válido destacar o primeiro capítulo, traduzido livremente para o português como “Doze passos práticos para solucionar problemas (sociais)”. Aqui, o autor compartilha alguns conceitos e diretrizes que vem regendo seu trabalho nos últimos anos, frutos de aprendizado a campo, literalmente. Vou listar os doze e fazer breves comentários em seguida, com o único objetivo de compartilhar aqui algumas ideias bem formuladas e que podem de alguma forma servir de inspiração a todos aqueles que estão em busca de alguma mudança social.
- Vá onde a “ação” está;
- Converse com as pessoas que enfrentam o problema específico e ouça o que elas têm a dizer;
- Aprenda tudo o que você puder em relação ao contexto específico do problema;
- Pense grande e aja grande;
- Pense como uma criança;
- Enxergue e faça o óbvio;
- Se alguém já tiver inventado, você não precisa inventar tudo novamente;
- Tenha certeza que sua abordagem tem impactos positivos mensuráveis e que podem ser ampliados e ganhar escala. Tenha certeza de que pode atingir um milhão de pessoas e fazer a vida delas, de forma mensurável;
- Desenhe/crie/invente para custos específicos e preços adequados a seus públicos –alvo;
- Siga planos práticos de três anos
- Continuem aprendendo com seus consumidores/beneficiários
- Mantenha-se positivo/motivado: não se distraia com o que outras pessoas pensam
1. Vá onde a “ação” está
Segundo o autor, você não pode sentar-se confortavelmente em seu escritório no Banco Mundial ou em no laboratório de pesquisas de uma grande universidade e descobrir o que fazer em relação a pobreza de Myanmar. Fazendo um paralelo conosco aqui em São Paulo, não adianta somente idealizar um negócio social de um escritório na Vila Madalena ou nos jardins, ou propor congressos e seminários fechados entre universitários de classe média e alta para discutir segregação e desigualdade social, ou a pobreza das favelas, sejam elas na periferia ou no centro. “Eu simplesmente não posso imaginar como alguém pode fazer planos realísticos de erradicar a pobreza ou suprir a demanda de algum problema importante sem visitar os lugares onde este problema esta acontecendo e sem conversar com as pessoas afetadas pelo problema”, conclui.
2. Converse com as pessoas que enfrentam o problema específico e ouça o que elas têm a dizer
Em 1990, alguns especialistas em agricultura vinham reclamando da postura de microfazendeiros em Bangladesh, pois estavam usando apenas uma pequena porção de fertilizante nas plantações, mesmo tendo um aumento na produção de arroz na temporada de monções. Se o poder aquisitivo dos fazendeiros crescia, porque então não cresciam também os investimentos? Finalmente, alguém teve a ideia de perguntar para os fazendeiros o porquê de utilizarem tão pouco fertilizante.
“Ora, essa é fácil”, respondeu um dos fazendeiros. “Mais ou menos uma vez a cada dez ano ocorre uma enchente decorrente das monções que nos faz perder toda a plantação. Por isso, cada um de nós gasta em fertilizantes apenas o que se vê disposto a perder no caso de uma enchente como estas”. Sendo assim, a lógica fazia sentido: mais valia se precaver em evitar a perda da plantação toda, do que possivelmente triplicar a produção (mas no risco de perder tudo).
O mais importante deste item é que não basta apenas conversar e fazer perguntas. É necessário estar presente, disposto a ouvir e inclusive a modificar pré-determinações em prol da adequação a questão real. É fundamental compreender que ouvir é um exercício que envolve mais do que apenas receber as ondas sonoras no nosso ouvido, mas estar apto a compreender e agir baseado nesta troca de informações.
3. Aprenda tudo o que você puder em relação ao contexto específico do problema;
Polak divide sua experiência com as bombas de sucção de água movido por força humana utilizados em Bangladesh. De início, ninguém sabia a profundidade dos poços cartesianos, a distância dos lençóis freáticos, a tipologia mais indicada de agricultura para cada uma das regiões, muito menos o potencial econômico de cada vilarejo. Porém, todas estas questões tiveram que ser sanadas ao longo do tempo, em cooperação com moradores locais e órgãos governamentais ou não.
Tudo o que é compartilhado no livro “Out of Poverty” é fruto de mais de três mil entrevistas com famílias em situação de pobreza. Sendo assim, escutou-se e aprendeu-se com tudo o que se relacionava ao contexto especifico de onde eles vivam e trabalhavam.
4. Pense grande e aja grande
“Se você aprender sobre um problema real, por meio das pessoas que vivem o problema em seus contextos, fizer perguntas básicas e abrir os olhos para enxergar o óbvio, é bem provável que você surja com ideias com o potencial de mudar o mundo”. Claro, isso pode por um lado ser motivador, mas por outro também muito assustador. Polak divide sua experiência em conseguir enxergar em qualquer microiniciativa, o potencial global de mudança. E afirma que se acostumou com os “rótulos de grandiosidade” que andam junto com pensar grande.
Um pensamento que é comum aos empreendedores de negócios ou a grande empresas é o de procurar atingir grandes parcelas do mercado identificado como foco. Afinal, quando alguém está buscando investimento para um negócio, tenta convencer seu investidor que, se fosse possível, o potencial deste empreendimento é de atingir 50%, 60% ou outras porcentagens ainda maiores do mercado específico. Porém, este é um raciocínio pouco comum às organizações que atuam com desenvolvimento social.
É claro que pensar grande traz o risco de cair feio. Mas o autor comenta que se esta não é uma possibilidade considerada, talvez você deva procurar outra área de trabalho. Para fazer um mundo melhor, desenvolver ou inventar um conceito ou tecnologia é apenas o primeiro passo. O maior desafio é como encontrar um meio prático de colocar esta inovação nas mãos das milhões de pessoas ao redor do mundo que precisam.
5. Pense como uma criança
Vindo de uma família de refugiados que escapou de ser dizimada pelo regime nazista na Tchecoslováquia, Paul Polak não romantiza a infância. “Mas há uma curiosidade simples e direta na infância e um amor por brincar que tendemos a perder na essência da nossa abordagem de solução de problemas quando adultos. Se você pensar como uma criança, você conseguirá rapidamente destrinchar um problema para seus elementos mais básicos”, afirma.
Enquanto estava tentando desenvolver estratégias para que seringueiros da Amazônia pudessem comercializar nozes secas como formar de incrementar suas rendas. Para além das ideias gigantescas e criativas, ele observou o uso dos fornos de farinha, presentes em quase todas as casas , e percebeu que os mesmos poderiam sofrer algumas adaptações e cumprir a tarefa. “Se você pensa em como secar algo como uma criança, e não como um engenheiro, você pensa em como aquecer ou ventilar”, e a partir disso fizeram os primeiros fornos-piloto em menos de duas horas.
6. Enxergue e faça o óbvio
Se não conseguimos ver nossos pontos-cegos, como conseguiremos enxergar e fazer o que é mais óbvio. O autor afirma que lhe demorou muitos anos para perceber esta máxima (e que muitos especialistas em erradicação da pobreza ainda não enxergam). Ele compartilha as experiências de sua organização, o International Development Enterprises (IDE) cujo foco é nos microfazendeiros. Alguns dados: 800 milhões de pessoas que têm renda inferior a um dólar por dia extraem esse valor de “fazendas” com menos de 1 Acre, muitas vezes divididos em 4 ou 5 áreas de ¼ de acre. E 98% das fazendas da China, 96% em Bangladesh, 87% na Etiópia e 80% das fazendas na Índia têm menos de 5 acres de tamanho total.
Sendo assim, o IDE vem sendo capaz de ajudar mais de 17 milhões de pessoas por perceber que a criação de riqueza nestas fazendas depende diretamente da abertura e acesso a novas formas de irrigação, agricultura, mercados e design.
Bom, essa foi a primeira parte. Logo, logo vem a segunda!