Por que não falar em “Base da Pirâmide”

Ajudar as pessoas que estão na base da pirâmide. Empreender negócios para as pessoas que estão na base da pirâmide. Criar produtos e serviços acessíveis às pessoas na base da pirâmide. Melhorar a experiência de consumo e as condições de vida das pessoas na base da pirâmide.
Qual base e qual pirâmide?
A maioria das pessoas que atualmente se refere à base da pirâmide se baseia no livro de C.K. Prahalad “A Fortuna na base da pirâmide” para se referir a uma população em situação de pobreza ou com baixo poder aquisitivo. Esta população poderia ser então enxergada como mercado consumidor – ou mesmo produtor – para integração à economia formal e potencialmente gerar um negócio que muda o mundo e pode gerar lucro.
Defendo um ponto para que ninguém que esteja realmente interessado na construção de uma sociedade mais justa e menos desigual, focado no tema da transformação social e mudança do mundo utilize o termo base da pirâmide. A pirâmide a qual Prahalad se refere é uma divisão de faixas de renda especificadas em seu livro – e previamente em um artigo co-escrito com Stuart Hart para a Strategy+ Business -, e posiciona mais de 4 bilhões de pessoas na base desta pirâmide, com poder aquisitivo de menos de R$1.500 dólares por ano (segundo a figura a seguir):
base da piramida Prahalad

Porém, esta é apenas uma versão da pirâmide econômica e social a qual estamos nos referindo direta ou indiretamente quando tratamos dessa abordagem. A pirâmide representa uma sociedade não só dividida em termos econômicos e demográficos, mas também um sistema que reforça as desigualdades impostas pelo modelo capitalista vigente, legitimando, de certa maneira, a manutenção de uma forma de pensar hierárquica onde há posições diferenciadas para cada um nesta nossa sociedade.
O Feudalismo e o Antigo Regime assumiam uma sociedade estamental, baseada em estruturas estáveis e praticamente imutáveis onde cada um ocupava uma função social determinada por nascimento, com pouca ou nenhuma mobilidade entre os chamados estamentos. A mesma pirâmide social, se observada com a ilustração de pessoas ao invés de números apresenta uma conotação muito menos interessante para a construção de uma sociedade mais justa e menos desigual.  Como estes exemplos:
BASE DA PIRÂMIDE piramide rei clero e povo moy_age piramidefeudal
Usar a expressão base da pirâmide é reforçar uma visão de sociedade hierárquica, com juízo de valor implícito sobre o papel de cada grupo social na manutenção de um status quo que praticamente garante a manutenção de posições sociais e não quebra paradigmas, não propõe mudanças sistêmicas e não constrói um novo modelo de sociedade inclusiva e igualitária.
No mínimo, ao se falar sobre esta pirâmide, seria importante situá-la no tempo atual e esboçar alguma visão da nossa sociedade não-piramidal pós intervenção. Ou seja, hoje vivemos em um contexto em que mais de 4 bilhões de pessoas vivem na base de uma pirâmide, mas no futuro acreditamos que com nossas intervenções essa pirâmide deixará de existir, se transformando em uma representação mais igualitária e bem distribuída.
Mesmo quando as intenções são positivas, como atender uma população com pouco ou nenhum acesso a produtos e serviços essenciais usando a lógica de mercado, usufruir de uma premissa preconceituosa, baseada em uma visão de mundo que não oferece espaço para uma mudança sistêmica e não enxerga o outro como igual e detentor dos mesmo direitos pode muito provavelmente enveredar a atuação e distorcer objetivos e resultados da intervenção. Meu medo é que a “atuação social” reforce o lugar de cada um nesta sociedade, dando um peso desleal a visão de “quem ajuda ou apoia” sobre o “outro que precisa de ajuda”.

6 ideias para uma transição de carreira “para o social”

Primeiro queria dizer duas coisas importantes sobre esse texto:
1) ele reflete a minha humilde opinião lidando com várias pessoas que me abordaram nesses últimos três anos e
2) eu não acredito em processos de transição “express” ou fórmulas mágicas que fazem você automaticamente estar pronto para atuar em outra área, principalmente uma completa e ampla como a ” área social”.

Eu acredito que há uma certa crise de “essência” nos empreendimentos atualmente, sejam eles assumidamente direcionados para benefícios sociais ou não. Assim, penso que para uma transição de carreira completa e real, a questão da essência deve aparecer em dois momentos:
1) A descoberta da sua essência. Quais são seus talentos, seus aprendizados, seus ideais, suas habilidades, suas vontades, suas intenções e sua forma de fazer as coisas;
2) A descoberta e execução da essência do seu empreendimento. Nada de superficialidade, de falsas imagens ou GreenSocial Wash 😉 Se é para fazer, é para fazer direito, de forma integral e aprofundada. Sou daqueles que acredita que mais importante que um bom “o quê”, é um excelente “como” e um bonito “por quê” que vão fazer a diferença no impacto positivo que você pode causar – em você e nos outros.

Premissas:

* Você está fazendo esta busca por uma transição pois estava insatisfeito com uma série de coisas no seu emprego ou ocupação anterior
* Você percebeu que depois de muito tempo fazendo a mesma coisa era hora de procurar novos desafios, mais alinhados com o seu propósito – que você nem tem certeza ainda qual é – e que façam um bem maior para esse nosso mundão
* Você acredita que pode ser mais feliz e melhor aproveitado pela sociedade fazendo o que sabe, casado com o que gosta e usufruindo do tempo e dinheiro da maneira que você acredita serem mais corretos.
* Você esta em crise ou à beira de surtar sobre o que posso fazer para encontrar sentido para a vida ou, pelo menos, tirar aquele plano B da gaveta.

Dito isso, eis o que eu venho propondo para as várias pessoas que me procuram. Eis minha sugestão de passo a passo (obviamente, com um trabalho mais aprofundado, varia de pessoa para pessoa):

1) Pesquisa “na boa”: Para começar, uma boa pesquisada no Google em temas chave que sempre te interessaram podem ser um passo interessante para abrir alguns novos canais. Se a sua ideia sempre foi trabalhar com educação há 10 anos, saiba que muita coisa aconteceu nesta área – assim como praticamente todas as outras – e novas oportunidades de envolvimento podem estar disponíveis. Foi só você que parou de procurar 😉 Ninguém precisa saber o que você esta pesquisando, o que evita julgamentos e olhares atravessados, comentários desmotivadores e etc. Dá para fazer essa etapa enquanto você ainda está no trabalho ou no seu tempo livre.

2) Abrir o jogo: um passo simples, mas super importante – e difícil – é começar a abrir o jogo. Simplesmente, aos poucos, dizer a si próprio e alguns familiares e amigos próximos que você está cogitando a possibilidade de talvez iniciar um processo de transição, ou de buscar outras ideiais e oportunidades de coisas para fazer. Bem leve, sem pressão, sem expectativas. Apenas sondando para sentir como isso soa interna e externamente. Você vai perceber que quanto mais específico você começar a ser mais as pessoas vão poder começar a opinar e fazer pequenas sugestões sobre coisas para você ir atrás. “Ah, tem um primo de um amigo que eu ouvi que esta envolvido com alguma coisa nessa linha”, “um cara do trabalho comentou de um projeto assim assim”, “eu vi alguma coisa num site sobre uma coisa relacionada a este assunto…”. Esse é o momento de abrir bem os ouvidos e anotar indicações possíveis, lidando da melhor maneira possível com comentários desanimadores (na maior parte do tempo, é você que vai escolher para quem contar e como, o que ajuda no tipo de feedback que vai receber)

3) cafés com pessoas chave –> amigos ou conhecidos estereotipados:
Pra mim, esta é a fase mais interessante e com maior potencial de crescimento. Chega de pesquisa “seca” e ficar abrindo o jogo sem direção. A hora agora é procurar pessoas com quem uma boa conversa pode se transformar em potenciais caminhos. Eu sempre valorizei muito a oportunidade de conversas com pessoas de áreas diferentes da minha e aprender sobre novos mundo, diferentes formas de pensar e de agir. Esse momento de buscar o próprio proposito ou de empreender um sonho é uma desculpa excelente, por si só, para abrir portas e mais portas e conhecer pessoas com diferentes trajetórias. Eu falo em amigos ou conhecidos estereotipados porque acredito que conhecemos muito pouco das outras pessoas. Assim, aquele amigo “que trabalha com educação”, o conhecido “ongueiro”, o “primo de alguém que já empreendeu” podem a partir de agora virar histórias mais completas e ricas, das quais vocês pode extrair muito aprendizado e aumentar seu entendimento sobre um novo campo.
Aqui, mesmo uma conversa que, no fim das contas, não teve nada a ver, serve como exemplo do que não faz sentido nesse momento. Uma vez me disseram “você nunca será completamente inútil, sempre poderá servir de mal exemplo para alguém”.

4) cafés com indicações e pessoas que atuam na área já especifica:
Após a abordagem ampla, não direcionada e super abrangente, é hora de começar a focar um pouco mais nos temas que apresentam melhores expectativas. Assim, é hora de começar a conversar com gente que tem bagagem nas suas áreas de interesse. Pode ser alguém que atua em organizações das quais você se identifica ou que já passaram por situações nas quais você gostaria de ter uma melhor noção. Penso que este é o momento da cara de pau, de ir atrás das pessoas – independente delas serem “fora do seu alcance” – até porque você não tem como saber isso de antemão. A minha experiência com “tomar cafés por ai” me mostra como há abertura das pessoas quando você esta genuinamente interessado em ouvir suas histórias.
Digamos que no mundo em que vivemos atualmente, com todo esse volume de informação e exposição, acabamos não explorando muito a fundo quase nada. Assim, não temos muitos espaços para contar nossa história como um todo, selecionando ativamente o que queremos que o outro saiba. Entenda que o convite para ouvir alguém é como dar a oportunidade rara para que esta pessoa conte partes da sua história e trajetória que não ganham espaço e/ou destaque no dia a dia.
Um exemplo pessoal: algumas vezes fui entrevistado para temas ultra específicos sobre a minha experiência com o Mochila Social. Entre elas, uma consultoria queria mais informações sobre um aplicativo de pagamentos via celular muito usado no Quênia e Tanzânia que eu tinha pesquisado, usado e escrito sobre. Fui convidado para falar das funcionalidades, como as pessoas usavam o aplicativo, que tipo de impressões eu tive etc. Falei por mais de 3 horas. Ninguém nuca tinha se interessado pelo tema tanto quanto eu mesmo e poder passar essa vivência para outro interessado foi sensacional.
Uma estratégia para conseguir alguns contatos específicos na fase anterior é chamada de “pé-de- galinha”, na qual a cada conversa/café você pede para que a pessoa indique outras três pessoas com as quais seria interessante, na perspectiva dela, você conversar em seguida. Normalmente, sem nem ao menos pedir esse fenômeno vai acontecer naturalmente.

5) Vivência em organizações sociais – voluntariado
É hora de ir pra rua. Não tenho dúvidas sobre a importância de viver as experiências por si próprio. A opinião e vivência dos outros é um excelente direcionador, mas é somente quando você vivenciar as coisas por você mesmo é que vai conseguir sentir verdadeiramente o impacto dessa nova atividade e como ela ressoa em você. A boa notícia é que há uma infinidade de possibilidades para você se envolver com diferentes organizações – dentro e fora do Brasil. Não há uma ciência que direcione você às melhores e mais organizadas experiências, mas você pode contar com a sua rede para oferecer boas sugestões de por onde começar. A maioria das organizações possui algum tipo de canal para absorver voluntários e pessoas interessadas em saber mais sobre o trabalho delas. Eu recomendo que a vivência voluntária não seja de um dia só ou esporádica: a melhor maneira de conhecer o dia a dia de qualquer organização é… participar de seu dia a dia 😉
Existem plataformas que conectam pessoas que querem se voluntariar organizações sociais precisando de gente, mas eu recomendo fortemente que você faça ativamente uma pesquisa na Internet e entre seus amigos, conhecidos e “cafés” para encontrar uma boa primeira experiência. Se você quiser ajuda, entre em contato por meio do “Formulário de encaminhamento”, é uma experiência piloto para tentar ajudar com esse processo de transição.

Lembrando que antes de se dedicar de corpo e alma a uma causa ou a causar impacto social no mundo, é de bom tom ouvir o que as pessoas que atuam com estas questões há bastante tempo têm a dizer e a mostrar. Impacto social pode ser positivo ou negativo, tanto para você quanto para aqueles que você pretende “ajudar”. Não basta apenas se conectar com seu próprio propósito sem conquistar a habilidade de se posicionar em um contexto e entender o que as outras pessoas aos seu redor querem e/ou precisam.

6) Experiência profissional – imersão ou empreender na área.
Como o término de um namoro, a primeira experiência pós mudança de emprego/carreira será de experimentação e provavelmente não será perfeita, mas cumprirá uma série de importantes papéis. A ideia é ao longo do tempo buscar de volta um equilíbrio. Explico: é comum as pessoas que abandonam carreiras no mundo corporativo desenvolverem uma série de aversões a padrões cotidianos do corporativo e buscarem agora “tudo diferente”. Acredito que esse é um período importante, mas é fundamental aos poucos entender o que exatamente incomodava e o que não há problema nenhum em manter, mudando apenas os “o quês” e os “comos”. Se a questão eram os horários inflexiveis, é comum buscar na nova experiência “não ter horários”, até o ponto de encontrar o equilíbrio e entender que, as vezes, ter horários pré-estabelecidos pode ajudar com a produtividade. A vestimenta formal incomodava? Andar de bermudas ou com todo o corpo aparecendo vai ser bom e importante por um período até chegar uma reunião ou evento mais formal e você passar alguma vergonha, ou mesmo o inverno: tudo bem usar calças compridas, né?
Se o seu perfil for mais empreendedor ou você descobrir que neste novo mundo com o qual quer se envolver sua ideia ainda não existe – ou pelo menos não da forma como você imagina – talvez seja hora de botar a mão na massa e desenvolver você mesmo esse projeto. O caminho para empreender algo com propósito e/ou impacto social tem desafios tradicionais e também específicos, mas este é um outro assunto por inteiro, que extrapola a questão da transição e se enquadra como um todo na questão do empreendedorismo.
Se você chegou até este ponto convencido de que empreender é o caminho, acredito então que é hora de arregaçar as mangas e começar.

#Resenha: Small Change: por que os negócios não vão mudar o mundo – Michael Edwards

small change michal edwards

Por quê os negócios não vão salvar o mundo. Com essa premissa, Michael Edwards, ex-diretor da Ford Foundation escreve um livro inteiro recheado de argumentos embasados e bem estruturados que teve pouca visibilidade e nem chegou a ter uma versão traduzida para o português. Se estamos falando em “mudar o mundo e ganhar dinheiro com isso” deveria ser importante trazer à discussão também os contrapontos e opiniões desfavoráveis a este forte movimento apelidado de “Philanthrocapitalism” ou, Filantrocapitalismo em tradução livre.

Edwards abre o livro descrevendo um destes momentos em que você se encontra numa encruzilhada e de repente enxerga algo quando menos espera. Ele trabalhava em Manhattan como um dos 6 diretores da For Foundation:
“Como sempre, metade da minha caixa de e-mails estava repleta de propagandas de livros, conferências e consultores prometendo resolver os problemas da sociedade simplesmente trazendo a mágica do Mercado para as organizações sem fins lucrativos e a Filantropia – os reis do universo, parecia, também queriam ser os salvadores do mundo – e a outra metade lotada de reclamações daqueles que estavam vivenciando as consequências negativas de estar envolvido com quem estava fazendo exatamente isso. Entre os da segunda metade, estavam organizações sem fins lucrativos que não conseguiam apoio pois sua atuação não gerava um “retorno social do investimento*”, grupos comunitários forçados a competir uns com os outros por recursos ao invés de serem estimulados a colaborarem por uma causa comum, funcionários de fundações preocupados com a contratação de executivos chefes vindos do Mercado sem nenhuma experiência com filantropia ou qualquer outro trabalho relacionado com transformação social, e ativistas que que se sentiram preteridos por uma nova geração de ‘Bons Samaritanos’ que pararam para calcular quanto dinheiro eles iriam fazer antes de decidir se querem ou não ajudar”
Está discussão é extremamente importante no atual contexto em que o social se torna “hype” ou moda, e fazer o bem pode se transformar em algo imposto unilateralmente, com pouco ou nenhum embasamento e um simples chamado egocêntrico de alguém frustrado ou procurando oportunidades de atender apenas ao próprio propósito. Vale a fala de Michael Edwards no prefácio:
“Eu não quero que o Mercado e os super ricos abandonem sua consciência social, mas eu sim quero que eles desenvolvam mais humildade e apreciação pela complexidade da tarefa que se estende ao usar o pensamento de negócios para a transformação social”
O livro baseia-se em 4 pilares expostos ao longo do discurso.

1) Nem o Filantrocapitalismo nem qualquer outra abordagem de transformação social é monolítica. Portanto, ao invés de enfocar soluções ao estilo “bala de prata” e decidir por uma abordagem OU outra, é mais interessante enfocar aonde o pensamento de negócios pode alavancar transformação social e aonde não pode, separando o uso de ferramentas utilizadas no mundo dos negócios de sua ideologia de mercado.
2) A moda (hype) que circunda o Filantrocapitalismo é muito maior do que a real habilidade de entrega de resultados pelo pensamento de negócios. Há pouca evidência de que esta abordagem seja melhor na redução da Pobreza e injustiça do que a atuação de governos, fundações e a sociedade civil organizada que vêm trabalhando de forma menos chamativa por uma geração ou mais.
3) Dentre as razões para resultados pouco expressivos, um parece especialmente importante: os conflitos e “trade-offs” que existem entre o pensamento de negócios e os mecanismos de Mercado de um lado e a sociedade civil e transformação social de outro. Pode-se dizer que algumas áreas da vida sempre foram deliberadamente protegidas dos cálculos vazios da competição exacerbada, preço, lucro e custos – como nossas famílias e associações comunitárias – mas na pressa de privatizar e comercializar o “social”, há um perigo de que estas barreiras de proteção sejam completamente esquecidas.
4) A crescente concentração de riqueza e poder entre os Filantrocapitalistas não é saudável para a democracia. Por que deveriam os ricos e famosos decidir como escolas serão reformadas, ou que tipos de remédio serão ofertados a preços acessíveis aos mais pobres ou quais grupos de ação social deveriam receber recursos para seu trabalho?

A mensagem que Michael Edwards deixa no início de seu livro é de “que o tema da ‘transformação social’ não é trabalho a ser deixado com as forças do Mercado ou a mercê dos caprichos de bilionários. Talvez se apoiássemos a energia e criatividade de milhões de pessoas comuns, poderíamos criar uma fundação para um progresso duradouro que nunca passe por um processo de cima para baixo vindo de uma nova elite global, por mais bem intencionada que ela seja”
O livro de Edwards reflete sobre a necessidade de transformações sistêmicas, complexas e integradas e não acredita que há produtos e serviços que farão as diferentes mazelas sociais se relacionarem de modo mais justo e menos desigual, apenas por meio de “mais capitalismo para corrigir os problemas que o próprio capitalismo gerou”. Para colocar de uma maneira simples: “a sociedade civil e o Mercado estão fazendo perguntas diferentes, não simplesmente encontrando diferentes respostas para uma questão em comum sobre oferecer produtos e serviços com mais impacto social”

Fica a reflexão e a dica de uma leitura não tão convencional quando o assunto é mudar o mundo e ganhar dinheiro com isso. Afinal, ” concentrar investimentos em algumas poucas grandes organizações, padronizar a produção e o gerenciamento de sistemas de informação e reforçar indicadores para mensurar facilmente sucessos de curto-prazo são elementos essenciais de uma empresa de sucesso, mas possivelmente a sentença de morte de uma sociedade civil próspera e atuante”

Os livros que nos fazem querer mudar o mundo

Livros para mudar o mundo

Este é um artigo introdutório a série de resenhas e comentários que serão postados aqui a partir de agora sobre “livros para mudar o mundo”. Na foto não estão todos!! 😉 Mas no link quase...

Como mudar o mundo? David Bornstein faz a pergunta e compartilha alguns exemplos de empreendedores sociais que fizeram a diferença, mudaram o mundo de alguma forma. Já Muhammad Yunus, conta como se tornou um banqueiro para os pobres, idealiza um mundo sem pobreza e propõe um modelo de negócio social. Jeffrey Sachs faz a proposta: o fim da pobreza. Mas Willian Easterly comenta o “fardo do homem branco” e crítica o modelo de ajuda humanitária dos últimos anos.

O americano Paul Polak divide suas experiências em inovação social nas áreas rurais e desenvolve novos conceitos de design “para os outros 90%”. Enquanto isso, a francesa Esther Duflo e o indiano Abhijit V. Banerjee estudam sistematicamente no MIT e ao redor do mundo o impacto de intervenções humanitárias como o uso de redes antimalária e campanhas de prevenção da Aids por meio de “avaliações aleatórias” (randomized evaluation), usufruindo de experimentos e grupos controle.

C.K. Prahalad abre os olhos dos economistas ao comentar sobre a  existência de uma possível riqueza na “base da pirâmide”, fazendo referência a teoria de outro economista chamado Maslow. E.F. Schumacher já havia dito: “O importante é ser pequeno”. Ao mesmo tempo, Duncan Green, da Oxfam International, reune em mais de 600 páginas, ideias para transformar a pobreza em poder, por meio de cidadãos ativos e governos efetivos. E se o mundo dos negócios também traz o submundo dos negócios, Robert Neuwirth conta histórias do chamado “sistema D” e os impactos da economia informal no planeta.

O desenvolvimento é chave fundamental para a conquista de direitos e da liberdade de escolha, segundo Amartya Sen. Depois, ele e Bernardo Kliksberg discutem um mundo levando em conta as pessoas em primeiro lugar. Enquanto isso, de um lado Michael Edwards acredita que os negócios não podem salvar o mundo; do outro, Peter Singer acredita no potencial que cada um de nós têm de fazer a diferença na vida de pelo menos uma outra pessoa. Aneel Karnani já faz uma análise mais complexa, tentando entender o papel de cada ator para “lutar conjuntamente conta a pobreza”.

Nós brasileiros não ficamos de fora, já que nossos vícios privados e os benefícios públicos foram escancarados por Eduardo Giannetti numa reflexão muito cuidadosa. Antes disso, Mariana Fix acompanha de perto como nos tornamos facilmente parceiros da exclusão de milhões de pessoas, o tal “Planeta Favela”, descrito mais do que detalhadamente por Mike Davis. De volta ao Brasil a vasta experiência de Eduardo Marques chega a uma importante conclusão acerca do impacto das redes sociais de cada um sobre segregação e pobreza. Claro, sem esquecer o vasto trabalho de Nabil Bonduki e Raquel Rolnik traçando as origens da habitação social por aqui.

Estes é apenas um texto provocativo introdutório a alguns dos conceitos discutidos na lista de livros recomendados pelo Mochila Social. A partir de agora, começarei a produzir pequenas resenhas e comentários destacando os principais pontos destes livros que nos fazem querer – e aprender – a mudar o mundo! A lista completa de sugestões mora aqui! (e está quase sempre atualizada com o que eu já li).

Em breve, a criação de um grupo de estudos sobre estes livros e temas abordados 😉

Por que transformar um livro em Áudio? E o que isso tem a ver com Desenvolvimento Social, inclusão e erradicação da pobreza?

No processo de escrever e editar o livro “Mochila Social: um olhar sobre desenvolvimento social e pobreza no leste da África” de forma independente, acabei aprendendo muito sobre o processo e o mercado editorial. Porém, mais do que isso, aprendi sobre a importância de se compartilhar experiências, reais ou ficcionais, como forma de ampliar o alcance da imaginação de outras pessoas. E foi em um destes momentos de aprendizado que descobri a importância de um audiolivro.

Em abril de 2011, me inscrevi em um curso chamado “Do rascunho na gaveta ao primeiro livro”. Apesar do título convidativo, eu participei muito mais por curiosidade e pela possibilidade de aprender algo de valor para o processo de produção de dois livros em que estava trabalhando do que qualquer outra coisa. Discutíamos literatura, os caminhos que um rascunho percorre até virar um texto, para depois virar um livro e, quem sabe, um dia chegar às mãos de mais do que alguns familiares e amigos.

Dentro do pequeno grupo, uma importante contribuição. Uma senhora de mais idade nos acompanhava nas discussões, comentava suas preferências e nos alertava: deficientes visuais tem uma grande paixão por histórias que os permitam viajar e imaginar um mundo mais complexo dentro de si próprios, mas a escassez de materiais adaptados limita o que pode ou não ser imaginado. Fiquei com isso na cabeça.

Desde que operei meu joelho em 2008 (pela primeira vez, já que foram três cirurgias desde então) fiquei mais atento e sensível às dificuldades de locomoção impostas pelas nossas calçadas e ruas pouco convidativas. Andar de muletas em ambientes públicos é assustador. Sem muletas ou qualquer sinalização de que há em mim algum tipo de sensibilidade exacerbada é ainda mais desafiador e aterrorizante. Antes, não era “um problema meu”, mas mesmo depois de voltar a caminhar perfeitamente, ainda enxergo o que se passa na frente dos meus pés com atenção e preocupação.  Pego emprestado uma fala do escritor Mia Couto, no livro Se Obama Fosse Africano: “é fácil (embora se vá tornando raro) ser-se solidário com os outros. Difícil é sermos os outros. Nem que seja por um instante, nem que seja de visita”.

O mesmo acontece com a vontade de compartilhar uma experiência para que mais pessoas possam se inspirar a fazer o que lhes cabe. Desde o início do processo de produção deste livro, acreditei na importância de transformar esta experiência em algo que valesse a pena ser compartilhado, imaginado e reorganizado de forma única e individual para o leitor. Assim, fiz questão de produzir um audiolivro para que pessoas com deficiência visual, problemas de visão ou mesmo relacionados com a capacidade de leitura pudessem ter acesso a arquivos de áudio que lhes permitisse imaginar uma outra realidade.

O limite entre a história contada e uma ficção bem elaborada, de um mundo difícil de acreditar que exista, mas mesmo assim verossímil, é apenas o que podemos imaginar. E então, como podemos decidir excluir ou privar àqueles que mais podem se beneficiar de um momento de abstração e reflexão sobre uma outra realidade, um outro lugar? Dentro do projeto Mochila Social, os custos de produção de um material como esse são ínfimos se comparados com os benefícios que a inclusão pode trazer à discussão sobre desenvolvimento social e pobreza.

Inclusão, para mim, é garantir que o diferente é tratado como diferente quando necessário. Assumir que determinadas situações exigem ações unilaterais de inclusão, seja ela social, financeira ou política, dada a situação em que algumas pessoas se encontram e, de fato, poderiam se beneficiar de algum tipo de ajuda externa. Para isso, só estando com os ouvidos mais abertos do que a boca para entender quais são as ações que podemos fazer para contribuir com a situação do outro.

O audiolivro é gratuito para quem tem necessidades especiais e tem valor sugerido de R$10,00 para quem mais quiser o material e ainda contribuir com o projeto. Para baixar o arquivo, basta acessar o www.mochilasocial.com e entrar em contato. Lá você pode ouvir gratuitamente a introdução do audiolivro “Mochila Social: um olhar sobre desenvolvimento social e pobreza no leste da África”.

Por que uma edição colaborativa do livro Mochila Social?

Lançar um livro é difícil e dá bastante trabalho (se você não é o Drauzio Varella ou o Diogo Mainardi). Tem a questão da diagramação, do registro junto a Biblioteca Nacional, da impressão, da distribuição (e consequentemente  no número de exemplares a ser publicado), nos custos, na editoria e, claro, no risco financeiro de ser um fracasso. Ah, claro, tem que ter assunto o suficiente para escrever um material que seja relevante, novo e possivelmente interessante a um grupo de pessoas.

Da minha parte, quis publicar um livro que contemplasse não só a minha experiência cronológica junto ao projeto Mochila Social, mas que pudesse trazer reflexões novas sobre nossas possibilidades de se portar diante do “social”, seja em uma organização social, um movimento social, um negócio social ou em um empreendimento social. E claro, a todas as outras atividades que não taxamos de social, mas que de uma maneira ou outra são também.

A decisão de inovar na forma de publicar meu segundo livro vem baseada no fato de eu acreditar na importância da publicação e ter avançado em quase todos os itens descritos no primeiro parágrafo de maneira independente até agora. Então, por que não colocar o projeto à prova, publicamente, para que seja avaliado por um grupo diverso de pessoas e, caso atinja um público razoável, justifique seu lançamento?  Por isso, coloquei a disposição de quem quiser baixar gratuitamente, a Introdução e um capítulo sobre o Quênia, para que avaliem meu trabalho e façam a opção comprar um exemplar e garantir a publicação ou não.

O objetivo de se fazer uma campanha de financiamento colaborativo, via www.catarse.me/mochilasocial é de arrecadar os recursos necessários para a impressão de três mil exemplares do livro Mochila Social: um olhar sobre desenvolvimento social e pobreza no leste da África. Com a campanha de pré-venda colaborativa, será possível “libertar” a primeira edição do livro – com design incrível do Gustavo Piqueira (Casa Rex) – para que seja trabalhado seu conteúdo em algumas escolas e outros espaços de troca e aprendizagem sem barreiras financeiras.

Eu particularmente não tenho nenhum objetivo de “lucrar” com esta publicação (acredito que já “lucrei” mais do que qualquer um com as vivências e experiências na Índia, Oriente Médio e África). O meu interesse é, por meio do livro, levantar o debate e a discussão sobre desenvolvimento social e as diferentes formas de se erradicar a pobreza. Eu tive apenas algumas experiências nesta trajetória, mas tenho certeza que há muito mais para ser descoberto, pesquisado, aplicado, testado e quem sabe um dia, transformado.

Sendo assim, eu mesmo serei a Editoria/selo que publicará o livro, fazendo todo o processo do registro na Biblioteca Nacional até a impressão e distribuição dos exemplares. Convido a todos a baixarem alguns capítulos e avaliarem o meu trabalho, como editores. Se acharem que este livro tem potencial para ser publicado, por favor acessem www.catarse.me/mochilasocial e adquiram um ou mais exemplares para viabilizar a publicação. Espero todos no lançamento!

Obs: farei a impressão de três cópias da introdução e outras três do capítulo referente ao Quênia e deixarei em alguns pontos da cidade. Aviso em breve aonde estão se alguém quiser vê-los em mãos!

Publicação do livro – Mochila Social!

Queridos Amigos,

Como alguns de vocês sabem, passei 2010/2011 entre Índia, Oriente Médio e o leste da África. Este ano, me dediquei entre outras coisas a produzir um livro sobre a experiência com o Mochila Social, pelos 6 países da África que visitei (Egito, Etiópia, Quênia/Dadaab, Uganda, Ruanda e Tanzânia/Zanzibar).

Pois bem, o livro está pronto –  com um projeto gráfico incrível realizado pelo amigo/parceiro Gustavo Piqueira – e agora entro na fase pré-lançamento!

Por isso, resolvi lançar o livro de maneira colaborativa, na plataforma de financiamento coletivo chamada Catarse. Assim, vocês poderão ler alguns pedaços do livro e dar uma olhada geral no design a partir do vídeo e algumas imagens que preparei. Depois disso, se julgarem o material interessante, poderão fazer uma compra antecipada do livro – e dessa forma viabilizar o projeto. Ou seja, com R$40,00 você compra o livro antecipado, ajuda a bancar a edição e ainda ganha o Audiolivro 😉

É só acessar o link: www.catarse.me/mochilasocial 

Lá você assiste ao vídeo, lê um trecho do livro e pode colaborar com diferentes valores. Eu fiz de um jeito que cada um possa ser beneficiado e beneficiar outros ao mesmo tempo:

Com R$25,00 você recebe o Audiolivro (elaborado pela Fundação Dorina Nowill para cegos)

Com R$45,00 você recebe o Audiolivro + Livro impresso

Com R$65,00 você recebe o Audiolivro + Livro impresso + chaveiro Mochila Social

Com R$80,00 você recebe o Audiolivro + Livro impresso + livro doado para escola ou biblioteca + Plaquinha de agradecimento em acrílico

Com R$350,00 você incentiva à leitura: Pacote com 11 livros (frete para qualquer parte do Brasil incluso)  + Plaquinha de agradecimento em acrílico –aqui a ideia é incentivar à leitura principalmente fora do eixo sudeste do país

Com R$1.000 você incentiva o Debate: recebe 15 livros + Roda de discussão e conversa com o autor (em São Paulo) – Eu acho essa bem legal para escolas, instituições de ensino ou centros culturais

Eu preciso levantar R$25.000 reais em um mês para garantir a realização do projeto. Estes valores são referentes aos custos de impressão, distribuição, realização de um evento de lançamento e a abertura para realização de atividades e palestras.

Agradeço de coração o apoio de todos vocês e peço que me ajudem a divulgar!

Qualquer dúvida, dá uma olhadinha lá no www.catarse.me/mochilasocial ou no meu próprio site www.mochilasocial.com 

Grande abraço, beijo, obrigado e etc 😉

Alex Fisberg

Doze passos práticos para solução de problemas (sociais), por Paul Polak (#2 parte)

Como prometido, segue a segunda parte da breve análise do primeiro capítulo do livro Out of Poverty, de Paul Polak (sem tradução para o português).  Para quem perdeu os 6 primeiros passos, copio aqui novamente a lista dos doze:

  1.  Vá onde a “ação” está;
  2. Converse com as pessoas que enfrentam o problema específico e ouça o que elas têm a dizer;
  3. Aprenda tudo o que você puder em relação ao contexto específico do problema;
  4. Pense grande e aja grande;
  5. Pense como uma criança;
  6. Enxergue e faça o óbvio;
  7. Se alguém já tiver inventado, você não precisa inventar tudo novamente;
  8. Tenha certeza que sua abordagem tem impactos positivos mensuráveis e que podem ser ampliados e ganhar escala. Tenha certeza de que pode atingir um milhão de pessoas e fazer a vida delas, de forma mensurável;
  9. Desenhe/crie/invente para custos específicos e preços adequados a seus públicos –alvo;
  10. Siga planos práticos de três anos
  11. Continuem aprendendo com seus consumidores/beneficiários
  12. Mantenha-se positivo/motivado: não se distraia com o que outras pessoas pensam

 7. Se alguém já tiver inventado, você não precisa inventar tudo novamente

Normalmente, hesita-se em usar ideias de outras pessoas ou lugares. O autor fala de diversos lugares onde se deparou com a síndrome do “não-inventamos-aqui”. Porém, uma simples pesquisa ao redor do mundo (aqui vale sim usar a Internet) para saber se alguém já descobriu ou usa uma solução específica para o problema que busca resolver mais rápido e fácil de trabalhar do que sempre tendo que inventar algo do zero.

O interessante é o exemplo dado: Polak acreditava ter descoberto um jeito novo e inteligentíssimo de irrigar plantações fazendo pequenos buracos na mangueira e deixando gotas de água regarem as plantas. Descobriu logo em seguida que os israelenses haviam desenvolvido esta técnica 35 anos antes e a chamavam de Irrigação por Gotejamento (“Drip Irrigation”). A partir daí, decidiu aprender tudo o que podia sobre esse sistema e começou a desenhá-lo para cortar custos e readaptá-lo para pequenas plantações (afinal, o sistema representava apenas 1% das plantações irrigadas, devido ao tamanho, complexidade e custo)

8. Tenha certeza que sua abordagem tem impactos positivos mensuráveis e que podem ser ampliados e ganhar escala.

Quantas pessoas poderão se beneficiar de um projeto de desenvolvimento se ele provar seu sucesso? É com essa pergunta que Polak abre a discussão sobre impactos, avaliação e escala. Seu exemplo vem da Somália: enquanto a Organização Mundial do Trabalho esforçava-se em um projeto de produção de sabonete junto às refugiadas, como forma de gerar-lhes renda e auto-estima, Paul Polak questionava alguns pontos desse projeto. O produto final era mais caro do que se fosse importado o sabonete mais fino de Paris; por outro lado, as refugiadas não podiam então acessar os mercados locais, o que impossibilitaria a continuidade do projeto após a eventual saída da OMT.

Ao mesmo tempo, alguns refugiados poderiam aumentar seus mercados se conseguissem salgar ou defumar os peixes que pescavam (já que refrigeração não estava disponível). Mas todos os pescadores precisavam também de transporte mais rápido e a um custo acessível. Sendo assim, o desenvolvimento de carrinhos puxados por burros foi uma solução muito mais simples, barata e efetiva para a região.

9. Desenhe/crie/invente para custos específicos e preços adequados a seus públicos –alvo

Assim como no caso da Organização Mundial do Trabalho na Somália, muitas organizações voltadas para o desenvolvimento se esquecem de pesquisar qual seria o custo e o preço final do produto desenvolvido para que ele se adapte perfeitamente ao mercado local. Mais para frente em seu livro, Paul Polak discute a importância de “desenhar para os outros 90%” (tema que será abordado em outro texto mais para frente).

A ideia essencial é desenhar, adaptar, criar ou inventar algo com objetivos pré-estabelecidos, forçando-se a ser criativo o suficiente para alcançar o resultado obtido. Um exemplo dessa forma de “design thinking” é o projeto 300$ House[1], no qual estipulou-se o valor final (U$300) e algumas outras diretrizes para se desenvolver uma moradia que fosse financeiramente acessível e completa. O processo foi totalmente colaborativo.

10. Siga planos práticos de três anos

Você pode ter um plano de mudar o mundo, com uma visão incrível do futuro, mas se você não puder chegar em um plano concreto para os próximos três anos, não chegará a lugar algum. Este plano, não deve nem ser excessivamente ambicioso, pois corre-se o risco de falhar antes de chegar ao objetivo final,  nem muito abrangente e não consolidar as bases necessárias para dar escala quando for a hora.  Nem tão grande, nem tão pequeno. Do tamanho certo.

11. Continuem aprendendo com seus consumidores/beneficiários

O autor divide o processo de aprimoramento dos sistemas de irrigação por gotejamento de baixo custo. Tendo suas atividades iniciais no Nepal, Polak conta que de início as vendas foram significativas, mas que os números começaram a cair logo no ano seguinte. A equipe de campo do IDE percebeu que muitos fazendeiros que haviam comprado os sistemas estavam usando apenas uma pequena parte do produto.

Depois de algumas entrevistas com fazendeiros, percebeu-se que a maioria cultivava milho ou painço (milho-míudo) e não estavam acostumados a agricultura intensiva que um sistema de irrigação poderia propiciar, fazendo crescer vegetais fora da estação. A equipe de Pokhara, convenceu o escritório nacional em Katmandu, que convenceu Polak sobre a necessidade de oferecer treinamento aos fazendeiros para que tirassem melhor proveito do produto. Isto nunca teria acontecido se não fosse uma prática diária ouvir aos consumidores/beneficiários.

Segundo o autor, tudo o que fez, criou e desenvolveu nos últimos anos vem de conhecimentos adquiridos junto ao seu público-alvo, normalmente fazendeiros de baixíssima renda e poucos recursos.

12.  Mantenha-se positivo/motivado: não se distraia com o que outras pessoas pensam

Este com certeza é um ponto chave na vida de muitos empreendedores sociais e pessoas que estão em busca de algo “fora da caixa”. Primeiro o autor conta sobre sua empreitada por um gerador de energia elétrica fosse mais acessível do que o modelo movido a diesel de U$500. Sua ideia era desenvolver um que utilizasse forragem de animais e custasse apenas U$125.

Depois, compartilha suas experiências com sistemas de irrigação por gotejamento de baixo custo para microplantações familiares. Se fosse possível baixar drasticamente o preço e aumentar de forma significativa o acesso e as aplicações do sistema, uma revolução poderia ser iniciada. Em ambos os casos, Polak ouviu de muitos que “se isto fosse de fato uma necessidade, o Mercado já teria se prontificado a desenvolver o produto”.  Se o carro de U$500 de Henry Ford e o computador de U$2000 de Jobs e Wozniak foram frutos de certa teimosia de alguns empreendedores até que alcançassem seus objetivos e sonhos, por que no caso da erradicação da pobreza a mesma lógica não se aplicaria?

Infelizmente o livro Out Of Poverty, de Paul Polak, ainda não possui versão em português, mas você pode adquiri-lo na Livraria Cultura ou pelo site da Amazon.com (audiobook ou entrega internacional, em ambos os casos)


[1] não comentado no livro, minha colaboração

 

 

 

Doze passos práticos para solução de problemas (sociais), por Paul Polak (#1 parte)

Em primeiro lugar queria dizer que acho uma grande pena – e uma grande perda – não termos ainda nenhuma versão deste excelente livro em português. “Out of Poverty”, ou algo como “Saindo da Pobreza”, do americano Pail Polak é um dos melhores e mais motivadores livros quando o assunto é a constante tentativa de encontrar soluções para “erradicar a pobreza”. O mais interessante na postura de Polak, que tem uma excelente palestra no TEDx, é a proposição não de soluções, mas de caminhos e raciocínios lógicos para a solução destas incoerências sociais pelas quais a maioria da população mundial  ainda sofre diariamente.

Em algum outro momento ainda farei uma resenha completa de toda a obra “Out of Poverty”, mas neste momento acho válido destacar o primeiro capítulo, traduzido livremente para o português como “Doze passos práticos para solucionar problemas (sociais)”.  Aqui, o autor compartilha alguns conceitos e diretrizes que vem regendo seu trabalho nos últimos anos, frutos de aprendizado a campo, literalmente. Vou listar os doze e fazer breves comentários em seguida, com o único objetivo de compartilhar aqui algumas ideias bem formuladas e que podem de alguma forma servir de inspiração a todos aqueles que estão em busca de alguma mudança social.

  1. Vá onde a “ação” está;
  2. Converse com as pessoas que enfrentam o problema específico e ouça o que elas têm a dizer;
  3. Aprenda tudo o que você puder em relação ao contexto específico do problema;
  4. Pense grande e aja grande;
  5. Pense como uma criança;
  6. Enxergue e faça o óbvio;
  7. Se alguém já tiver inventado, você não precisa inventar tudo novamente;
  8. Tenha certeza que sua abordagem tem impactos positivos mensuráveis e que podem ser ampliados e ganhar escala. Tenha certeza de que pode atingir um milhão de pessoas e fazer a vida delas, de forma mensurável;
  9. Desenhe/crie/invente para custos específicos e preços adequados a seus públicos –alvo;
  10. Siga planos práticos de três anos
  11. Continuem aprendendo com seus consumidores/beneficiários
  12. Mantenha-se positivo/motivado: não se distraia com o que outras pessoas pensam

 1.       Vá onde a “ação” está

Segundo o autor, você não pode sentar-se confortavelmente em seu escritório no Banco Mundial ou em no laboratório de pesquisas de uma grande universidade e descobrir o que fazer em relação a pobreza de Myanmar. Fazendo um paralelo conosco aqui em São Paulo, não adianta somente idealizar um negócio social de um escritório na Vila Madalena ou nos jardins, ou propor congressos e seminários fechados entre universitários de classe média e alta para discutir segregação e desigualdade social, ou a pobreza das favelas, sejam elas na periferia ou no centro.  “Eu simplesmente não posso imaginar como alguém pode fazer planos realísticos de erradicar a pobreza ou suprir a demanda de algum problema importante sem visitar os lugares onde este problema esta acontecendo e sem conversar com as pessoas afetadas pelo problema”, conclui.

2.       Converse com as pessoas que enfrentam o problema específico e ouça o que elas têm a dizer

Em 1990, alguns especialistas em agricultura vinham reclamando da postura de microfazendeiros em Bangladesh, pois estavam usando apenas uma pequena porção de fertilizante nas plantações, mesmo tendo um aumento na produção de arroz na temporada de monções.  Se o poder aquisitivo dos fazendeiros crescia, porque então não cresciam também os investimentos? Finalmente, alguém teve a ideia de perguntar para os fazendeiros o porquê de utilizarem tão pouco fertilizante.

“Ora, essa é fácil”, respondeu um dos fazendeiros. “Mais ou menos uma vez a cada dez ano ocorre uma enchente decorrente das monções que nos faz perder toda a plantação. Por isso, cada um de nós gasta em fertilizantes apenas o que se vê disposto a perder no caso de uma enchente como estas”. Sendo assim, a lógica fazia sentido: mais valia se precaver em evitar a perda da plantação toda, do que possivelmente triplicar a produção (mas no risco de perder tudo).

O mais importante deste item é que não basta apenas conversar e fazer perguntas. É necessário estar presente, disposto a ouvir e inclusive a modificar pré-determinações em prol da adequação a questão real. É fundamental compreender que ouvir é um exercício que envolve mais do que apenas receber as ondas sonoras no nosso ouvido, mas estar apto a compreender e agir baseado nesta troca de informações.

3.       Aprenda tudo o que você puder em relação ao contexto específico do problema;

Polak divide sua experiência com as bombas de sucção de água movido por força humana utilizados em Bangladesh. De início, ninguém sabia a profundidade dos poços cartesianos, a distância dos lençóis freáticos, a tipologia mais indicada de agricultura para cada uma das regiões, muito menos o potencial econômico de cada vilarejo. Porém, todas estas questões tiveram que ser sanadas ao longo do tempo, em cooperação com moradores locais e órgãos governamentais ou não.

Tudo o que é compartilhado no livro “Out of Poverty” é fruto de mais de três mil entrevistas com famílias em situação de pobreza. Sendo assim, escutou-se e aprendeu-se com tudo o que se relacionava ao contexto especifico de onde eles vivam e trabalhavam.

4.       Pense grande e aja grande

“Se você aprender sobre um problema real, por meio das pessoas que vivem o problema em seus contextos, fizer perguntas básicas e abrir os olhos para enxergar o óbvio, é bem provável que você surja com ideias com o potencial de mudar o mundo”. Claro, isso pode por um lado ser motivador, mas por outro também muito assustador. Polak divide sua experiência em conseguir enxergar em qualquer microiniciativa, o potencial global de mudança. E afirma que se acostumou com os “rótulos de grandiosidade” que andam junto com pensar grande.

Um pensamento que é comum aos empreendedores de negócios ou a grande empresas é o de procurar atingir grandes parcelas do mercado identificado como foco. Afinal, quando alguém está buscando investimento para um negócio, tenta convencer seu investidor que, se fosse possível, o potencial deste empreendimento é de atingir 50%, 60% ou outras porcentagens ainda maiores do mercado específico. Porém, este é um raciocínio pouco comum às organizações que atuam com desenvolvimento social.

É claro que pensar grande traz o risco de cair feio. Mas o autor comenta que se esta não é uma possibilidade considerada, talvez você deva procurar outra área de trabalho. Para fazer um mundo melhor, desenvolver ou inventar um conceito ou tecnologia é apenas o primeiro passo. O maior desafio é como encontrar um meio prático de colocar esta inovação nas mãos das milhões de pessoas ao redor do mundo que precisam.

5.       Pense como uma criança

Vindo de uma família de refugiados que escapou de ser dizimada pelo regime nazista na Tchecoslováquia, Paul Polak não romantiza a infância. “Mas há uma curiosidade simples e direta na infância e um amor por brincar que tendemos a perder na essência da nossa abordagem de solução de problemas quando adultos. Se você pensar como uma criança, você conseguirá rapidamente destrinchar um problema para seus elementos mais básicos”, afirma.

Enquanto estava tentando desenvolver estratégias para que seringueiros da Amazônia pudessem comercializar nozes secas como formar de incrementar suas rendas. Para além das ideias gigantescas e criativas, ele observou o uso dos fornos de farinha, presentes em quase todas as casas , e percebeu que os mesmos poderiam sofrer algumas adaptações e cumprir a tarefa.  “Se você pensa em como secar algo como uma criança, e não como um engenheiro, você pensa em como aquecer ou ventilar”, e a partir disso fizeram os primeiros fornos-piloto em menos de duas horas.

6.       Enxergue e faça o óbvio

Se não conseguimos ver nossos pontos-cegos, como conseguiremos enxergar e fazer o que é mais óbvio. O autor afirma que lhe demorou muitos anos para perceber esta máxima (e que muitos especialistas em erradicação da pobreza ainda não enxergam). Ele compartilha as experiências de sua organização, o International Development Enterprises (IDE) cujo foco é nos microfazendeiros. Alguns dados: 800 milhões de pessoas  que têm renda inferior a um dólar por dia extraem esse valor de “fazendas” com menos de 1 Acre, muitas vezes divididos em 4 ou 5 áreas de ¼ de acre. E 98% das fazendas da China, 96% em Bangladesh, 87% na Etiópia e 80% das fazendas na Índia têm menos de 5 acres de tamanho total.

Sendo assim, o IDE vem sendo capaz de ajudar mais de 17 milhões de pessoas por perceber que a criação de riqueza nestas fazendas depende diretamente da abertura e acesso a novas formas de irrigação, agricultura, mercados e design.

Bom, essa foi a primeira parte. Logo, logo vem a segunda!

Um dia na pele de um personagem de Kafka

Há um certo tempo publiquei um texto chamado Emergentes ou em situação de Emergência? – no blog Um Jornalismo Social – em que discutia semelhanças entre as moradias erguidas por moradores vítimas das enchentes no Alagoas e alguns barracos de favelas de São Paulo.

A brincadeira com o título do post não era à toa. Afinal, países com o Brasil e a Índia, amplamente comentados pela sua emergência, no sentido de crescimento e elevação de status, são também cenários cotidianos das mais sérias emergências, no sentido desesperador da palavra. Enquanto discutem-se os avanços econômicos e um olhar macro voltado ao desenvolvimento dos números destes países, o que se observa nas ruas é ainda um cenário desolador em muitos aspectos.

Pessoas continuam a viver em condições de moradia absurdamente precárias, mesmo já havendo diversas soluções e projetos capazes de melhorar a qualidade dos “abrigos” estabelecidos por estas famílias. Uma delas – e claramente escolhida a dedo para este artigo – são abrigos emergenciais, construídos (ainda como piloto) no Haiti pela Uber Shelter. Longe de afirmar que estes abrigos são uma boa opção definitiva para a questão da moradia, fico com uma questão: por que devemos esperar uma situação de desastre para abrir nossos olhos em relação às verdadeiras emergências?

Proponho então um exercício filosófico – difícil de ser realizado: imagine-se você no corpo de um personagem de Franz Kafka, cujo entendimento da realidade foi afetado por um fenômeno aleatório, em um dia qualquer. Nesse dia escolhido, ao invés de se encontrar no corpo de um inseto, você perdeu a habilidade de se acostumar e “desaprendeu” a reconhecer alguns elementos considerados banais à sua volta. Assim, sai na rua e vê uma pessoa deitada na rua, vestida em trapos imundos e suplicando por comida. Alguns minutos parado ali e você percebe que as pessoas passam por aquela situação sem mobilização alguma, sem expressão de sentimento algum. Indignado, você corre até aquela pessoa e pergunta: O que aconteceu com você?

Em outra situação, andando de ônibus numa metrópole, você avista da janela uma espécie de bairro, porém há algo errado com aquilo tudo. Grita ao motorista que pare o veículo e convida energicamente o resto dos passageiros a investigar àquela situação ao seu lado. Desce sozinho do ônibus, cercado apenas por olhares carregados de julgamento em direção às moradias que vão tomando forma e personalidade com a sua aproximação. Entre paredes desestruturadas de madeira da pior qualidade, pedaços de tecido e telhas sobrepostas, encontra uma família de 7 pessoas sentadas no chão de barro. Parece ser a hora do almoço e eles dividem do mesmo prato uma pequena quantidade de comida. Sem cor, sem cheiro e provavelmente sem sabor. Incrédulo com o que vê, você pergunta ao chefe da família: o que aconteceu nessa região?

Penso que, após o estranhamento inicial, as pessoas ao redor tentariam nos trazer de volta a “realidade”, ao conformismo no qual já estamos presos e pouco fazemos para nos libertar. Mas o que será que nos falta para que, ainda na realidade, comecemos a nos mobilizar em relação ao que já é possível melhorar e desenvolver?

 Obs: Texto publicado na Revista Shalom em Julho

Um blog sobre o social. O que quer que isso seja.