Momento de transição

Cinco minutos para atravessar a rua.  As calçadas impecáveis, adaptadas para pessoas com dificuldade de locomoção, transportam minhas malas de rodinha em uma suavidade quase esquecida nos últimos meses. Os milhares de faróis de pedestre desaceleram qualquer passeio. Acostumei a atravessar a rua sem olhar nem pensar, sabendo que os carros não iriam parar mas mesmo assim conseguiria fazer a travessia. E agora me assusto cada vez que demonstro alguma intenção de atravessar e o motorista freia seu carro por mim.

A diversidade de pessoas não diminuiu em quantidade, mas com certeza se alterou nos modelos. As barbas continuam presentes em diversos tamanhos e formatos, mas acredito ser eu o único bigode da cidade (permanência de uma moda ainda incrustada na minha aparência). As cores nas roupas foram substituídas pelo contraste entre o preto, o cinza e o branco. Saíram os turbantes, dando espaço aos chapéus e lenços de diferentes propósitos. Mas eu ainda mantenho as cores e a deselegância de uma vestimenta despreocupada enquanto me é permitido.

O jeito frio e duro de se relacionar causa estranhamento. Muita individualidade. Muito espaço. Pouco contato. Na primeira oportunidade, me enfio no mercado de rua mais lotado para que esbarrem um pouco em mim. Saudades de um desassossego intermitente e o sentimento de pertencimento a algo maior. Uma confusão de odores indefiníveis para reanimar meus sentidos e acordar meu pensamento para as novas experiências.

O silêncio quase ensurdecedor de um país sem a “cultura da buzina” e sem a organicidade de um mercado de rua baseado na teoria do caos organizado me obriga a ouvir música no fone de ouvido. A trilha sonora vai desenhando frases e despertando sentimentos sobre o passado, presente e as incertezas de um futuro ainda por vir. Bom exercício para quem saiu do Oriente para o Oriente Médio, em direção de volta ao Ocidente.

Obs: escrevo a partir de agora de Jerusalém, Israel. Estou organizando fotos e vídeos e escrevendo outros artigos sobre temas específicos da Índia que gostaria de compartilhar. Fico agora dividido entre continuar a viagem pelos novos destinos e contextualizar o que vi nos últimos meses.

Um pensamento em “Momento de transição”

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